Angola aposta na captação de investimento estrangeiro para recuperar

Por Milton Chantre Melo

Fonte: Angola aposta na captação de investimento estrangeiro para recuperar (ey.com)

O investimento estrangeiro é fundamental para a aceleração do crescimento da economia angolana. Por isso, tem sido alterado o enquadramento para promover a capacidade de atração.

Angola tem procurado criar condições para cativar investidores estrangeiros, no novo ciclo político iniciado no final de 2017 com a eleição de João Lourenço como presidente da República, para inverter o caminho de contração contínua da economia nos últimos seis anos. O país encontra-se em recessão desde 2016 e a crise pandémica atrasou o regresso ao crescimento para 2022, com o Fundo Monetário Internacional (FMI) a estimar uma nova quebra do produto interno bruto (PIB) angolano este ano, de 0,7%, mas prevendo uma expansão no próximo, a um ritmo, ainda assim, limitado, de 2,4%.

Angola tem registado melhorias na criação de um quadro de investimento mais atractivo para os investidores externos. Para o efeito têm sido executadas reformas ao nível fiscal, cambial e do investimento privado. É também um desafio continuar a implementar reformas ao nível das leis cambiais e tributárias de forma a permitir uma maior clarificação das mesmas, desburocratização de processos e estabilização futura destes normativos.

Anteriormente, as barreiras existentes condicionavam o investimento e contribuíram para a sua erosão. Entre 2015 e 2017, o investimento directo estrangeiro em Angola caiu 62%, para 6,2 mil milhões de dólares (cerca de 5,5 mil milhões de euros, ao câmbio atual). Em 2018, as regras mudaram, com a extinção generalizada da obrigatoriedade de parcerias locais, a criação e incentivos e a permissão de expatriação de lucros, procurando gerar capacidade de atracção de investimento estrangeiro, mesmo num quadro recessivo.

A actual Lei do Investimento Privado não prevê a obrigatoriedade de serem estabelecidas parcerias com investidores locais, o que chegou a ser obrigatório no passado em alguns sectores da economia – como energia e águas, telecomunicações, construção civil, hotelaria. A remoção desta obrigatoriedade acaba por flexibilizar a forma de concretizar os investimentos em Angola. Os investidores têm hoje maior flexibilidade para selecção das suas estruturas de investimento.

Ainda assim, entre Agosto de 2018 e Maio de 2020, foram registadas 276 propostas de investimento junto da AIPEX – Agência de Investimento Privado e Promoção das Exportações de Angola, que tem como missão, entre outras a captação de investimento privado. Estas propostas totalizavam cerca de 2,8 milhões de dólares (cerca de 2,5 mil milhões de euros) e um potencial para a criação de 19 mil novos empregos, representando um esforço de mudança que só a pandemia veio condicionar.

Quadro em mudança

Actualmente, está em discussão um quadro de incentivos fiscais ao investimento – interno e externo –, que será incluído no futuro Código dos Benefícios Fiscais. Além disso, tendo como objectivo uma alteração da estrutura de produção em Angola, altamente focada e dependente da exportação de petróleo, que representava 95% das exportações e cerca de dois terços das receitas do Estado, em 2019, o governo angolano lançou o Programa de Apoio à Produção, Diversificação das Exportações e Substituição das Importações (PRODESI), que “visa incentivar a fileira produtiva, com especial enfoque em produtos considerados prioritários para a população angolana, reduzir o défice da balança cambial em matéria de bens da cesta básica, atrair financiamento externo e investidores externos e melhorar o clima de negócios”. A aplicabilidade deste programa foi reforçada com um aviso do Banco Nacional de Angola (BNA), o qual estabelece regras para a concessão de créditos a investimentos que visam a produção de produtos essenciais, como arroz, artigos de higiene, pecuária, bebidas, cimento, embalagens, leite, varão de aço e vidro. Neste âmbito, foi estabelecido pelo BNA que o custo total do crédito a conceder, incluindo juro e comissões, não pode ser superior a 7,5% ao ano.

No caso da relação entre Portugal e Angola, existe um acordo para evitar a dupla tributação, que começou a ser aplicado em pleno em 2020 e que constitui um instrumento muito importante para evitar a dupla tributação de operações realizadas entre os dois países. Refira-se que este foi o primeiro acordo tributário celebrado por Angola, o que pode constituir uma vantagem competitiva na estruturação de investimentos em Angola a partir de Portugal, apontando, ainda, a existência de um acordo celebrado entre Angola e Portugal para a promoção e proteção recíproca de investimentos. Acresce, para os investidores, a existência de instrumentos financeiros de apoio ao investimento. Além de linhas de crédito acordadas por Angola e outros estados, o PRODESI prevê linhas de financiamento como o Projecto de Apoio ao Crédito (PAC), aplicável a projetos de investimento que contribuam, direta ou indiretamente, para a produção interna de determinados bens; a linha de crédito disponibilizada pelo Deutsche Bank, destinada a promover e apoiar o sector privado angolano na importação de equipamentos, bens ou serviços imprescindíveis à implementação de projectos de investimento; e a linha de crédito assegurada pelo Banco Africano de Desenvolvimento para apoio e financiamento em projectos destinados à diversificação económica, à redução da dependência do petróleo, à substituição de importações e à estabilização da economia angolana.

Fiscalidade e repatriamento de capitais

O quadro fiscal e as condições para o repatriamento de capitais serão das mais importantes questões com que os investidores se deparam quando pretendem entrar em Angola.

No caso da fiscalidade, apesar de as taxas de imposto sobre os lucros – Imposto Industrial – se apresentarem competitivas face ao contexto da África Subsariana – taxa nominal de Imposto Industrial é de 25% para a generalidade das empresas, é importante garantir uma fiscalidade mais clara e menos susceptível de gerar litigância entre os contribuintes e Administração Fiscal. Para lém disso, Angola ainda não adoptou as normas internacionais de contabilidade em grande parte do seu tecido empresarial. A reforma do normativo contabilístico poderá facilitar a leitura de demonstrações financeiras por parte de investidores estrangeiros e credibilizar a contabilidade ao nível das organizações em Angola.

As reformas feitas e em curso também se refletem na questão do repatriamento de capitais. A questão cambial era, de facto, uma ameaça identificada pelos investidores externos, na medida em que as regras eram complexas, burocráticas e a sua execução muito centralizada ao nível do BNA. Isto, aliado à escassez de divisas no mercado cambial tornava o processo de repatriamento de capitais muito moroso. Contudo, as reformas ao nível da política monetária e dos regulamentos cambiais, bem como a descentralização da análise dos processos de exportação de capitais para os bancos comerciais, têm agilizado os pagamentos a entidades externas – tanto investidores como fornecedores –, facto que se afigura crítico para a viabilidade de investimentos.

Certo é que o potencial continua presente. Angola está inserida numa zona geográfica com mercados com dimensão significativa – como a África do Sul, Nigéria, Moçambique e Républica Democrática do Congo.

Resumo

Uma vez ultrapassadas as dificuldades ao nível das infraestruturas de energia e transporte, e estabilizado o quadro fiscal e cambial, o país poderá afirmar-se como uma economia com capacidade de exportação de produtos agrícolas e industriais, não descurando um mercado interno igualmente relevante. Para além disso, essa parece ser a prioridade do governo angolano, com o PRODESI. Por outro lado, dadas as carências existentes ao nível de infraestruturas de transporte e fornecimento de água e energia, projetam-se investimentos relevantes nestas áreas nos próximos anos.

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